sábado, 4 de junho de 2011

FICHAMENTO 4


KNOBEL, Meyer; NOGUEIRA, Célia Regina; MEDEIROS-NETO, Geraldo. Genética Molecular do Hipotireoidismo Congênito. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia, São Paulo, v. 45, n. 1, p.24-31, jan. 2001. Jan-fev. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/abem/v45n1/a05v45n1.pdf>. Acesso em: 01 jun. 2011.
Genética Molecular do Hipotireoidismo Congênito
“As anormalidades congênitas da tireóide tornam-se clinicamente evidentes pela resultante alteração funcional glandular. Esta envolve tanto o decréscimo como aumento da produção hormonal, definindo assim, respectivamente, o hipotireoidismo neonatal ou congênito (HC) e o hipertireoidismo congênito.O HC primário ocorre na maioria das crianças afetadas, enquanto o secundário e terciário (central) são raros. Internacionalmente, a deficiência de iodo é a causa predominante de HC transitório”. “Nos países iodo-suficientes, a disgenesia tireóidea (DT) decorrente de defeitos embriológicos é a razão principal de HC, responsável por 85% ou mais das crianças afetadas”.
“A disgenesia pode decorrer de agenesia glandular (25% a 35% dos casos), definida como ausência de tecido tireóideo detectável; ectopia (40% a 60%), com tecido tireóideo encontrado desde a base da língua até o mediastino ou hipoplasia (aproximadamente 5%), onde a glândula de tamanho reduzido se situa em posição cervical normal. Os defeitos de síntese hormonal acontecem em 10-15% de crianças com HC (aproximadamente 1 em 30.000 recém nascidos), mas esta prevalência pode ser maior em grupos étnicos com paridade elevada, alto grau de casamentos consangüíneos e em gêmeos ou indivíduos aparentados. O sexo feminino é duas a três vezes mais afetado que o masculino. Fatores genéticos, ambientais e auto-imunes têm sido considerados na etiologia do HC, mas na maioria dos casos a causa da disgenesia tireóidea permanece obscura”.
“A tireóide é a primeira glândula endócrina que surge durante o desenvolvimento embrionário. Sua organogênese tem início a partir de espessamento endodérmico (divertículo tireóideo) mediano no assoalho da faringe primitiva. Este divertículo move-se caudalmente e posiciona-se em situação cervical final por volta da 7a.semana de gestação.”
“As células foliculares, responsáveis pela biossíntese hormonal, derivam, quase exclusivamente, do primórdio tireóideo. Sua diferenciação começa quando a migração se completa, sugerindo que esta última e aquela distinção funcional podem ser eventos mutuamente exclusivos. Evidências correntes sugerem que os fatores de transcrição TTF-1, TTF-2 e PAX-8 são indispensáveis à evolução glandular, seja do ponto de vista migratório como proliferativo. Nos casos de disormonogênese, os defeitos são acompanhados por bócio e, freqüentemente, têm como fatores causais mutações nos genes codificadores para Tg e TPO.”
“Durante a embriogênese tireóidea, os genes codificadores para aqueles fatores de transcrição expressam-se no início da formação e durante a migração glandular, enquanto os genes específicos para a diferenciação celular (TSH, TSHR e TPO) expressam-se mais tardiamente.O primeiro gene que se manifesta durante a constituição da tireóide é aquele codificador para o TTF1, cujo locus genético humano, denominado TITF1, se localiza no cromossomo 14q13.”
“Codifica proteína nuclear com 42kDa, que interage com o DNA alvo através de seqüência definida constituída de 61 aminoácidos, conhecida como homeobox. No camundongo, o fator de transcrição equivalente Ttf1, expressa-se adicionalmente em tecidos cerebrais, hipófise anterior e pulmão. A influência do gene no passos iniciais do desenvolvimento tireóideo foi demonstrada em camundongos homozigotos Ttf1-/-, isto é, com ambos os alelos comprometidos.”
“Os experimentos resultaram em animais com ausência total de tecido tireóideo e hipófise anterior, assim como alterações graves no cérebro e no desenvolvimento pulmonar.”
“Portanto, parece razoável acreditar que mutações no gene TITF-1 podem afetar a formação glandular (provocando agenesia tireóidea) ou a migração das células primordiais (causando ectopia).O fator TTF-2 é expresso na tireóide, na maior parte da endoderme do intestino anterior, na ectodermecraniofaríngea (envolvido na formação do pálato) e na bolsa de Rathke (implicada na formação da hipófise anterior) . Seu gene codificador humano (designado TITF2 ou FKHL15) situa-se no cromossomo 9q22.” “Este fator é membro de uma grande família de proteínas atuantes como fatores reguladores em embriogênese e tumorigênese, que interagem com o DNA alvo mediante seqüência de 100 aminoácidos. Em roedores homozigóticos desprovidos do gene codificador para o TTF-2, o primórdio tireóideo não migra da cavidade faríngea e, eventualmente, desaparece resultando em HC. Consoante, foi demonstrada mutação homozigótica do TTF-2, associada ao HC em 2 irmãos que exibiam pálatofendido e disgenesia tireóidea.”
“A proteína mutante exibia ligação comprometida ao DNA alvo e perda da função transcricional.O PAX-8, um dos reguladores transcricionais da organogênese tireóidea, é também importante para expressão genética da Tg e TPO. Pertence à família de proteínas Pax presentes em mamíferos, que interagem com DNA através de domínios específicos (paireddomain) essenciais à formação de vários tecidos, conforme sugerido por análises em roedores mutantes.”
“Em particular, estão envolvidas na regulação dos passos iniciais do desenvolvimento de órgãos, definindo a especificação celular regional. O gene codificador humano situa-se no cromossomo 2q12-q14.Até o presente, as mutações inativadoras demonstradas em humanos foram monoalélicas (heterozigóticas), porém sem atuação dominante negativa comprovada . Ainda não foi esclarecido porque mutações monoalélicas no PAX-8 dão origem ao HC. Possivelmente, redução na expressão da proteína normal resultaria em produção hormonal insuficiente por fenômeno denominado haploinsuficiência.”
“Esta diminuição poderia interferir na interação com competidores ou co-fatores. Neste caso, o fenótipo, além da influência das mutações, dependeria também de mutações em genes competidores/co-fatores. Esta possibilidade foi demonstrada com a proteína nuclear Ref-1, fator controlador da capacidade DNA-ligante do PAX-8. Quando as células precursoras da tireóide atingem sua posição cervical final, começam a se diferenciar expressando genes responsáveis pela produção de hormônios tireóideos.”
“O TSHR pertence à superfamília de receptores associados à proteína G, que exibem estrutura comum consistindo de sete segmentos transmembranosos, três alças extracelulares, três alças intracelulares, extremidade extracelular aminoterminal e intracelular carboxiterminal. Em humanos, seu gene codificador situa-se no cromossomo 14q31.”
“O receptor é responsável pela intermediação das ações do TSH no crescimento, metabolismo e função celulares, com o objetivo final de síntese e secreção hormonais.A primeira mutação descrita no TSHR em paciente portador de HC foi descrita em 1995. Trabalhos ulteriores registraram outros casos em indivíduos com hipoplasiaglandular originários de, pelo menos, mais 13 famílias. Até o presente, foram investigados apenas os genes TITF1, TITF2, PAX-8 e TSHR como possíveis causadores da DT.”
“Contudo, a organogênese tireóidea é um processo complexo e outros genes se expressam durante a formação glandular. Por exemplo, a família de genes HOX está também implicada no desenvolvimento da região faríngea, pois alteração provocada do HOXA3 resultou em hipoplasia da glândula. O número de células foliculares e parafoliculares encontrava-se bastante reduzido e a organização da tireóide alterada, apesar da diferenciação celular completada.”
“Roedores afetados exibem também ausência do timo. Por isso tem sido sugerido que o gene HOXA3 pode ser necessário para a manutenção da expressão do PAX1 naquele órgão. Além disso, conforme sugerido pela elevada incidência de casos esporádicos, é possível que a DT tenha origem multigênica.Assim, na maioria deles, a base molecular da DT permanece obscura. A identificação e estudo de casos familiares será útil na definição adicional dos mecanismos da DT. De fato, estes estudos poderão fornecer evidências cruciais para o aconselhamento genético, segundo insinuado pela forma de herança dominante presente em algumas formas de HC.

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